Deus, que tem um cuidado paternal para com
todos, quis que todos os homens formassem uma só família e se tratassem
mutuamente com espírito fraterno.Todos, com efeito, criados à sua imagem de
Deus que “fez de um, todo o gênero humano habitar sobre a face da terra” (At
17,26), são chamados para um único e mesmo fim, que é o próprio Deus (GS 24). O
homem é, com efeito, por sua natureza íntima, um ser social. Sem relações com
os outros, não pode nem viver, nem desenvolver seus dotes (GS 12);
desenvolve-se em todas as suas qualidades mediante a comunicação com os outros,
pelas obrigações mútuas, pelo diálogo com os irmãos e assim pode
corresponder à sua vocação de filho de Deus (GS 25).
Mas, a razão principal da dignidade
humana, sua, por assim dizer, primeira dimensão, consiste na vocação do homem
para a comunhão com Deus. Já desde sua origem o homem é convidado para o
diálogo com Deus. Pois o homem, se existe, é somente porque Deus o criou e isto
por amor. Por amor é sempre conservado. E não vive plenamente segundo a
verdade, a não ser que reconheça livremente aquele amor e se entregue ao seu
Criador (GS 19). O homem é chamado por Deus principalmente à própria comunhão
com Deus como filho e à participação de sua felicidade (GS 21)
Atinge o homem essas suas autênticas
dimensões de filho de Deus pela sua dinâmica humana, maravilhosamente
enriquecida pelo Deus do amor, constante de valores de natureza física,
psíquica, intelectual e moral, desiguais, portanto, entre si, mas
harmoniosamente e hierarquicamente ordenados, pela sabedoria de Deus, dos quais
os máximos são o amor, a amizade, a oração e a contemplação (“Populor
progressio”, n.20).
É no reconhecimento de seus valores
integrais, no respeito da hierarquia ou da escala em que foram dispostos por
Deus, que o homem, atingindo as autênticas dimensões de filho de Deus,
realizar-se-á a si mesmo, correspondendo assim à sua vocação para a felicidade,
na participação da felicidade do próprio Deus.
Assim é o homem, filho de Deus, como Deus
o quis e o criou (Ecl 17,1-11).Esta reflexão teológica sobre a realidade
original do homem não pode absolutamente omitir-se, sob pena de
esvaziarmos a história da salvação de seu verdadeiro sentido, tornando
inaceitável ao homem de hoje (pois é deste que estamos tratando), Cristo Jesus
e consequentemente, a sua Igreja.
De fato, a situação atual em que se
encontra o homem é realidade bastante diferente daquela a que nos levou a
reflexão teológica, quando não a ela diametralmente oposta, cujo profundo
sentido foi magistralmente revelado pelo Vaticano II: “O homem,olhando o seu
coração, descobre-se também inclinado para o mal e mergulhado em múltiplos
males que não pode provir do seu Criador, que é bom. . . o homem destruiu a
devida ordem em relação ao fim último e, ao mesmo tempo, toda a sua
harmonia consigo mesmo, com os outros homens e as coisas criadas.
Por isso o homem está dividido em si mesmo. Por esta razão, toda a vida humana,
individual e coletiva, apresenta-se como uma dramática luta entre o bem e o
mal, entre a luz e as trevas. Bem mais ainda. O homem se encontra incapaz, por
si mesmo, de debelar eficazmente os ataques do mal; e assim cada um se sente
como que carregado de cadeias”(GS 13). À luz da reflexão teológica, o pecado
que aflige a cada indivíduo humano desde o seu nascimento e a toda a sociedade
por ele formada com todos os seus condicionamentos está na incapacidade de
responder por suas próprias forças à sua vocação fundamental de filho de Deus.
Neste contexto que condiciona toda a
história da humanidade, como um todo e em cada um dos seus membros, em todos os
tempos, é que se insere e age o mistério de Cristo.
Coube à fé esclarecer todas as coisas com
luz nova, manifestar o plano divino sobre a vocação integral do homem. Por isso
orienta a mente para soluções plenamente humanas (GS 11).
Mais uma vez, em hora oportuníssima e em
termos inequívocos, Deus Pai, pelo Espírito, glorificou seu Filho. Pelo
testemunho profético da Igreja, proclamado ao mundo dos homens e das coisas, no
Vaticano II, o pai conclama todos os homens, sociedade e indivíduos, de todos
os continentes, a voltarem-se para Cristo Jesus, o Homem-Filho de Deus, a verem
nEle a revelação encarnada do autêntico Homem, com todos os valores e dimensões
em plenitude e, por conseguinte, tipo único e exclusivo do homem-filho de Deus,
realizado em sua vocação integral.
Na realidade o mistério do homem só se
torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. Com efeito, Adão, o
primeiro homem, era figura daquele que haveria de vir, isto é, do Cristo
Senhor. Novo Adão, na mesma revelação do mistério do pai e de seu amor,
Cristo manifesta plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre sua
altíssima vocação. Não é, portanto, de se admirar que em Cristo estas verdades
encontrem sua fonte e atinjam seu ápice”.(GS 22).
A missão da Igreja em todos os continentes
é dar Cristo ao homem para ele ser homem e mais homem (“Populorum Progressio”,
n.16).
Dar Cristo ao homem, não significa, para a
Igreja, transmitir-lhe somente a doutrina evangélica, propor-lhe os exemplos de
Cristo, mas antes e sobretudo, incorpora-lo a Cristo vitalmente, para que,
unido misteriosamente, mas realmente, a Cristo, se difunda nele a própria vida
de Cristo (LG.7),“ Pregando o Evangelho, a Igreja atrai à fé e à confissão da
fé os ouvintes, dispõe-nos ao batismo, arranca-os da escravidão do erro e
incorpora-os a Cristo, para que através da caridade cresçam nEle até à
plenitude” (LG 17).A Igreja, sociedade divinamente constituída, é o meio para o
homem encontrar-se com Cristo Jesus e n’Ele com o Pai, com os irmãos, consigo
mesmo e com o universo e viver este encontro “humanizante”, vital, que o
constitui filho de Deus (LG 2,7,8,etc).
A mensagem da Igreja seria inoperante e
ineficaz, se consistisse somente em ensinar aos homens a doutrina evangélica,
em dela deduzir os princípios e meios para a felicidade do homem de todos os
continentes.
A Igreja sabe (e demonstrou-o pelo Vaticano II) que
sua mensagem é o próprio Cristo Jesus, Filho de Deus e da Virgem Maria,
insubstituível, verdadeira vide, que dá vida e fecundidade nos ramos, quer
dizer, a nós que pela Igreja permanecemos n’Ele e sem o qual nada podemos
fazer” (LG 6).
† Dom Gabriel Paulino Bueno Couto, O.C - Servo de Deus